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Foto do escritorRuth Mattos

Dance bem, dance mal, dance sem parar

Sempre invejei os dançarinos. Olhava-os com uma admiração que beirava o delírio. Muitas vezes me imaginei no lugar daquelas mulheres do tango, da dança do ventre, da dança de salão. Me via em momentos de pura fantasia sensual, a própria “morena do tchan”.


Mas tudo não passava de sonho, de fantasia, de viagem mental mesmo. A minha realidade era outra completamente diferente.


Fui uma jovem educada numa família católica que nunca valorizou a dança, embora a música fosse um traço marcante no ambiente familiar. Cantar era muito importante e permitido, mas dançar não era muito bem visto pelas famílias religiosas da minha época. Uma quadrilha talvez, mas nem isso fui muito estimulada a fazer. Enfim, cresci num ambiente hostil à dança.


Na minha adolescência, a despeito de tudo isso, fui a algumas festas e parecia que estava estampado na minha cara: “Eu não sei dançar”, pois como se fosse uma sina que havia de se cumprir, nunca era chamada para tal. Ficava sentada na mesa à espera de um príncipe encantado que me visse e me tirasse daquela situação incômoda, que aos meus olhos era vista por todos como sendo de alguém feia e incapaz de encantar os rapazes.


Certo dia, um deles aproximou-se e me levou para dançar. Fiquei eufórica! Olhava para minhas amigas de mesa como se tivesse tirado na loteria. Mas qual não fora minha decepção, quando ao dançar metade da música, sem conseguir acompanhar os passos do meu parceiro, que respirava com impaciência ao meu ouvido, me vi largada sem dó nem piedade no meio do salão. Não houve nenhuma explicação, o gesto por si já estava carregado de motivos, embora não contivesse nem educação nem elegância. Mas enfim, fiquei com o trauma da incompetência, da vergonha e da incapacidade de dançar. Melhor não mais tentar, apenas sonhar. Esse ficou sendo o meu lema.


O tempo passou, veio a idade adulta, muito adulta. Chegou aquela hora da vida que ou você faz o que quer ou nunca mais vai poder fazer. Ou você tira da gaveta os seus sonhos, ou você morre frustrada sem saber sequer o que é realizar e ser feliz.


Há muito tempo a ideia de dançar povoava novamente a minha cabeça. Mas como fazer isso? O sentimento de vergonha, de medo do ridículo e do “sei que não sei”, vinha imediatamente. Sou descoordenada, não tenho ritmo, vão rir de mim ... e todos esses pensamentos me impediam de avançar na proposta de buscar uma aula de dança.


Pensamentos que me impedem de viver as coisas boas da vida são meu lado negro. Como não gosto deles e eles são os que mais me impedem de viver meus sonhos e ser mais feliz ainda, resolvi que não quero mais tê-los como companheiros de mim. Busquei ajuda.


Claro que não tem sido fácil, porque eles são como monstrinhos, pequenos e em grande quantidade, que habitam há muito tempo o meu cérebro. Acho que nasceram quando eu era criança. Tem uma capacidade fantástica de se reproduzir, e não dependem de alimentação externa. Eu mesma os alimento sem saber que estou alimentando. Então, esses monstrinhos têm um poder de se manter vivos por tempos, o que me fazem ter trabalho para exterminá-los. Eles são muito nocivos na minha vida e têm me impedido de viver muitas coisas boas e de estar bem em muitos momentos. Fazem isso comigo gratuitamente, e eu resolvi montar uma estratégia de guerra a eles. Nesse processo, preciso mostrar algumas vitórias para que meu inimigo veja que não é tão forte assim quanto parece e, nesse caso, já me vejo quase uma vitoriosa. Estou vencendo o monstro do medo, da vergonha e do pânico de dançar. Estou fazendo dança de salão e acreditem, zumba!


Na aula de dança eu me sinto livre, solta, sensual. Jogo com o corpo. Forço a mente, tentando decorar os passos que o professor na frente faz rapidamente. Para quem tá morrendo de medo de ter Alzheimer, é um ótimo exercício. Dou gritinhos acompanhando o professor, rebolo e balanço sem a mínima preocupação de estar sendo vista, olho minha silhueta no espelho e acho que sou a melhor dançarina da turma. Agacho para imitar a dançarina do Tchan e lembro do sonho de sê-la. Agora posso ser a própria, ali, naquele espaço, com luzes que piscam e brilham como num palco, com música alta, gritos e magia. Eu estou vivendo e soltando com muita alegria minha energia boa.


Do meu suor saem gotas de prazer, de felicidade. Vou exalando o preconceito, o medo, a desconfiança de mim mesma e vou deixando que através da música entrem em mim a alegria, a autoconfiança, o olhar para o quanto sou capaz de realizar coisas até então improváveis. Deixo que a música que eu não era capaz de ouvir antes me diga que posso soltar toda essa luz que tenho presa, toda essa carga de energia, de vontade de viver, de vontade de canalizar alegria e bom humor.


Eu preciso muito da relação com o universo. Descobrir mais este canal foi para mim um grande passo, ultrapassei uma enorme montanha. Hoje me comunico através dos meus amigos e da minha família, através do que escrevo e através da música e da dança.


Estava no carro e cantarolava voltando da aula de dança: Dance bem, dance mal, dance sem parar... Me vi na novela Dancing Days, anos 80. Estou feliz!






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