Li outro dia o relato de um rapaz que havia ido morar no Canadá e comparava sua morada naquele país a uma morte. À primeira vista, parecia assustadora aquela metáfora. O sujeito tinha ido morar em um país de Primeiro Mundo e dizia que se sentia morrendo? Falava de morte desde a sua despedida do Brasil e depois de se sentir mais morto ainda quando chegou por lá. Sentia-se morto porque tinha que começar a viver uma vida completamente nova, sem referência alguma, e sem quase nada que lhe desse suporte, a não ser ele mesmo e sua força de vontade, sua esperança.
Estou às vésperas de ir passar um semestre em Nova York, sozinha, aos 59 anos de idade. O desafio parece ser grandioso, às vezes me amedronta, mas ao mesmo tempo, é excitante. Quando li o artigo daquele rapaz me identifiquei com ele. Há algum tempo venho me sentindo assim, venho tendo que morrer um pouco. Talvez matar em mim o que não faz mais sentido, para deixar viver e florescer o que precisa brotar.
Na renovação, é tudo muito bonito e romântico, mas na prática dá muito trabalho e custa muita determinação e coragem, especialmente em estágios mais avançados da vida, quando acreditamos que tudo já está mais do que consolidado. Entretanto, morrer ou deixar morrer em nós o que já não nos serve, o que já perdeu o sentido, o que é lixo, o que está atrapalhando, e esvaziar-se para dar espaço e abrir-se para o novo, é um exercício diário e muito animador.
Acabei descobrindo que existem algumas mortes boas. Cada vez que se mata algo em nós, podemos dar lugar ao que vai nascer.
Mas percebi que também há muita resistência em morrer. E vi que ninguém quer mesmo morrer porque é doloroso, é sofrido e triste. Morrer dá trabalho, implica em sair do mundo conhecido e se abrir para um desconhecido, completamente novo, sem qualquer referência. Morrer representa perder padrões, perder amores, perder coisas... perder.
Não tive morte súbita, mas quis morrer. Morte lenta e gradual. Mas, deixar morrer parte de mim, apesar de tudo, foi o melhor que me aconteceu. Eu fui morrendo aos poucos e, nos lugares onde não havia mais o que eu tinha antes, fui semeando coisas novas. Novos padrões de amigos, novos padrões de diversões, novos padrões de trabalho, novos padrões espirituais, novos amores, novo carro, novo cabelo, novas roupas, novas viagens e novas aprendizagens.
Eu quero continuar morrendo e, quando renascer, que o meu “eu morto” seja lembrado apenas como aquele que acreditou na vida após a morte ainda em vida, e insistiu em ser sempre feliz em sua existência neste mundo.
Escrito em janeiro de 2017.