Fui desafiada recentemente a escrever sobre este tema. Meu melhor amigo me obrigou a pensar sobre isso. Por que? Talvez por estar vivendo alguma situação que exige muito esforço para realizar, para construir. Ou, quem sabe, teria simplesmente ouvido a frase, e cheio de dúvidas resolveu ouvir o que penso a respeito. Mas é possível que não seja absolutamente nada disso, pode ser que simplesmente esteja querendo ver até que ponto eu suporto suas provocações. Seja qual for a razão, enfrento o desafio e me ponho a pensar e escrever.
Vou imaginando. O que seriam as tais ruínas? Ruínas da alma é a primeira versão que me ocorre. Ruínas do corpo, ruínas espirituais, ruínas financeiras e patrimoniais, ruínas familiares, ruínas de valores... Muitas possibilidades de estarmos arruinados.
Ruínas... Penso primeiro em destruição. Desgaste. Podem ocorrer pelo simples passar do tempo ou acontecem com aquilo que não foi suficientemente cuidado ou mantido. Me cheiram a coisa antiga, descuidadas, abandonadas. Ruínas de castelos, de casas, de cidades. Pessoas arruinadas pela droga, pelo vício, pela dor. Arruinadas por doenças, pelo desamor, arruinadas pelo desequilíbrio e falta de paz.
Tudo isso é tão pesado que dificilmente consigo ver, de imediato, qualquer possibilidade de se construir sonhos em situações assim. O primeiro sentimento que brota no coração é de impotência, de incapacidade e de incompletude mesmo.
Mas o desafio é categórico, e me soa como uma sentença. É possível construir sonhos sobre ruínas.
Passei então a vê-las de outro modo. Comecei a olhar com mais respeito para as ruínas arquitetônicas que trazem consigo tanta história e tanta beleza, que explicam os grandiosos e constantes ciclos humanos. Olho para as cidades que foram arruinadas e que se transformaram em metrópoles, ou que puderam se reconstruir e que sobreviveram aos danos que lhes foram causados.
Olho para as ruínas das pessoas e percebo algum alento. Quantos casos pude ver de arruinados que deram a volta por cima? Arruinados por vícios, arruinados por doenças, arruinados financeiramente. São tantos e tão frequentes que começo a acreditar que chegar à ruína pode, de certo modo, ser alavancador de recomeços e novas histórias. Meu sentimento mudou com o pensar. Passo a enxergar este destino como propulsor e não com o descrédito do início.
Ruína de gente é traduzida por dor e sofrimento, e é dessas ruínas que mais podem ser construídos os sonhos. Algumas pessoas têm um poder de resiliência tamanho que quando estão vivendo seus momentos caóticos, quanto maiores são as suas incertezas, maior é a sua capacidade de sonhar e de recomeçar.
O sentido da vida para muitos que estão em absoluta ruína passa a ser a construção de sonhos. E acredito que esta construção de sonhos só exista porque há a lembrança do prédio completo. Porque na memória existe algo que valeu a pena até que se tenha chegado ali, até que se esteja arruinado.
São as memórias construídas que garantem os sonhos. Certeza de que já viu ali algo muito bonito, merecedor de reconstrução. Reconhecimento de força de coragem e de alegrias já vividas. É o passado dando asas aos sonhos do futuro.
Mas já vi sonhos serem edificados em situações e ambientes sem passado. Como podem ser construídos sonhos em ruínas de passado triste, desolador? Talvez possam ser construídos a partir das ruínas de cada um. A soma das suas histórias, a soma das suas lembranças ou do que lhes incutiram com amor é que vai produzir o sonho. Infelizmente, sem este sentimento maior, o sonho não aparece, não consegue sequer ser vislumbrado.
Meus pensamentos vão progredindo. Constato que sonhos sonhados sobre ruínas são mais promissores, mas também mais difíceis de serem vividos. Talvez bem mais difíceis, mas nem por isso menos gratificantes. Os resultados parecem mostrar que os “heróis” que conquistaram seus sonhos a partir de ruínas se sentem mais fortes para viver novas conquistas, se sentem mais seguros para aconselhar ou apoiar novos projetos, são mais corajosos, destemidos.
À medida que vamos vivendo nos damos conta de que todos passamos por situações em que nos sentimos arruinados. Alguns usam a seu favor, outros caem abatidos. Mas em geral, a ajuda de amigos e familiares é fundamental nessa reconstrução, na transformação de ruínas em novas e boas realidades que podem e devem se concretizar. Sozinho nunca se transforma sonho em vitória, porque o egoísmo e o orgulho são opositores da construção. A força exigida para isto é grandiosa e só muitos, juntos, conseguem este feito.
Construir sonhos em ruinas pode ser transformador. A perfeição do sonho e seu valor final sempre são um acariciar para a alma. E finalmente, percebo, já apoiada na sabedoria divina: “Que bom é saber-se capaz de sonhar, que bom é ver as ruínas como alicerces, que bom é entender que para sonhar em ruínas precisamos amar”.
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